Ai, caramba. Chegou uma caixa dos correios. Na verdade, a caixa.
Eu já sabia desde o começo do que se tratava, mas preferia ignorar a sua irreversível chegada, de acordo com a demora que levava recebê-la. É que a ausência dói menos quando ignorada.
A pior ausência de todas é aquela que vai e volta, que fere e cura, que corta e fica. Que rompe as cicatrizes que assiste cicatrizar.
A pior ausência de todas é aquela que queremos negar, a ausência com a vil fantasia de presença, a ausência irônica do que não nos pode deixar.
Pois bem. Hoje recebo em mãos uma enorme caixa que parecia gritar "Eu existo! Eu existo!", ecoando ensurdecedoramente em minha mente, triturando qualquer tipo de pensamento alheio ao acontecimento.
Não poderia mais ignorar a ausência, pois ela estava fisicamente em minhas mãos. Que confusão! Era uma efusão de sentimentos e pensamentos, alegres, tristes, confusos, que se miscigenavam assustadoramente, sem que eu nem mesmo pudesse optar por um caminho de raciocínio lógico determinado a seguir.
Quando percebera, já estava em modo automático abrindo a encomenda, com um fundo de pensamento nostálgico, mais idealizado do que de fato saudosista. A verdade é que o convívio que não tive me fez falta naquele momento, o que era, de certa forma, desanimador.
A sensação de abrir aquele papelão foi única. Era como se, ao romper o lacre, meus pulmões tivessem relembrado o ar do Brasil equatorial, que logo se perdeu no mesmo ar litoral, úmido e tropical de sempre. Conforme ia me desvencilhando das proteções de isopor, fitas e plásticos, sentia o cheiro, o jeito, as coisas do lado de lá. Saudade, com um zeloso carinho. E, Finalmente!, a caixa.
Era, de verdade, muito bonita. Toda feita para mim, a mão, com as minhas coisas, meu nome, meu jeito. Que saudade eu tinha daquelas mãos! Ai, uma foto! O cheiro de verniz... Eu podia me lembrar como se fosse ontem dessas perspectivas: do chão frio, dos pêlos de gato, da brisa da varanda, do barulho de obra, do escritório, do ar condicionado, do colchão da cama, dos armários, e até mesmo da água do filtro. Como se fosse ontem... Quando havia sido a última vez, mesmo? Contar é tolice.
A cada toque, mais uma surpresa, por cada canto cuidadosamente pensado de seu interior, com escritos, lembranças, detalhes, cuidado, amor. Era inevitável meu sorriso bobo com essa delicadeza, a dedicação... Era inevitável que me sentisse muito bem com tudo isso. Certamente, vou guardar com carinho.
Tendo visto tudo, deixei por ora o presente de lado e fui almoçar. Os pensamentos de antes voltaram a mil. Esse meu lado meio poético me torna uma pessoa louca, com uma tendência esquizofrênica que sabe Deus decifrar. Preciso escrever! Não consigo mais pensar. Eram diversas formas de entender e de interpretar, formas curiosas e insensatas de ver o mundo e não ver o resto.
Essa caixa foi e será para sempre o atormentante alarme de uma ausência, a brilhante lembrança do sentimento que é bom.
Ainda está lá no sofá. Vou buscá-la em breve, optando pelo que nela guardar.
Tudo bem, eu amei o presente. De verdade! Aprecio tudo, desde a montagem, até a finalidade.
Mas quem me dera se dentro dessa caixa me viesse você...
quinta-feira, 18 de outubro de 2012
quinta-feira, 11 de outubro de 2012
Da Janela
Essa chuva me potencializa uma miscelânea de sensações, como se fosse necessário mais algum estímulo para revelá-las. A verdade é que eu queria estar lá, na praia, esparramada à areia, ou na rua, quando começou a cair - uma adorável surpresa. Há um tempo não experimento a sensação de me banhar na chuva, despreocupadamente, como se sua água lavasse meu âmago, e levasse embora quaisquer resquícios de fatores mundanos, e me deixasse com um interessante vazio, com um quê de curiosidade por um mundo aparentemente novo. Eis a saudade que a chuva me trouxe.
Por qualquer motivo que não me empenhei em decifrar, pus-me à janela. Era interessante enxergar os efeitos repentinos dos pingos nas poças, recém formadas nas calçadas; nos carros; nas pessoas. Era interessante observar tantas vidas que se entrecortam sem mal perceberem, o movimento da cidade, o piscar das luzes, o escorrer das gotas, a vida passar. Tudo isso fazia muito sentido naquele momento, porque era preciso achar sentido em alguma coisa externa - caso contrário, nada mais o faria, visto o turbilhão de insensatezes interiores.
Era a primeira grande injustiça à qual teria de me submeter. Primeira grande conquista. A maior e mais covarde injustiça da minha vida. Primeira de muitas.
Pessoas desprotegidas corriam, na tentativa de escapar do banho, sem êxito. Por que não se deixam logo banhar?
Por que eu não me deixo levar?
Os pingos caíam delicadamente no meu rosto. A chuva fazia sentido. O mundo precisa se molhar. O mundo precisa desaguar.
Os prédios apagavam e reacendiam em suas janelas, pessoas desapareciam e ressurgiam às esquinas, carros iam e vinham, todos iguais, com recheios diferentes.
Eu não vou ser a mesma.
A chuva no meu rosto fazia todo o sentido. Ela vinha de dentro.
Eu precisava desaguar, para entendê-la.
Por qualquer motivo que não me empenhei em decifrar, pus-me à janela. Era interessante enxergar os efeitos repentinos dos pingos nas poças, recém formadas nas calçadas; nos carros; nas pessoas. Era interessante observar tantas vidas que se entrecortam sem mal perceberem, o movimento da cidade, o piscar das luzes, o escorrer das gotas, a vida passar. Tudo isso fazia muito sentido naquele momento, porque era preciso achar sentido em alguma coisa externa - caso contrário, nada mais o faria, visto o turbilhão de insensatezes interiores.
Era a primeira grande injustiça à qual teria de me submeter. Primeira grande conquista. A maior e mais covarde injustiça da minha vida. Primeira de muitas.
Pessoas desprotegidas corriam, na tentativa de escapar do banho, sem êxito. Por que não se deixam logo banhar?
Por que eu não me deixo levar?
Os pingos caíam delicadamente no meu rosto. A chuva fazia sentido. O mundo precisa se molhar. O mundo precisa desaguar.
Os prédios apagavam e reacendiam em suas janelas, pessoas desapareciam e ressurgiam às esquinas, carros iam e vinham, todos iguais, com recheios diferentes.
Eu não vou ser a mesma.
A chuva no meu rosto fazia todo o sentido. Ela vinha de dentro.
Eu precisava desaguar, para entendê-la.
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