Eu estava pendurada
Ele entrou pelos fundos, com um isopor
E um clamor
Suco fresquinho! Só dos reais,
Eu estava em pé
Ela e seu bebê entraram pelos fundos
O ônibus estava parado
O suor escorria negro pelos seus rostos
Alguém dá lugar pra moça com criança no colo, por favor?
Estavam todos parados
- Obrigada
Dois reais! Fresquinho!
Eu estava parada
Estavam todos mudos
A criança sacolejou, a mãe a afagava,
O suor caía,
Eu estava parada.
Ele olhava para o refresco e
- Refresco? Fresquinho! Dois reais!
Os passageiros eram retratos
O suor era insistente
A mãe pediu um refresco, e não tinha dinheiro para pagar
Eu estava observando, parada
O rapaz deu-lhe o refresco, a criança bebeu
O suor caía
E eu estava parada
Botei a mão no bolso, catei umas moedas
Ele olhou pra mim como se eu
Pedisse um refresco
"Aquele suco você deu... Pode ficar com isso"
Nao...
Eu estava parada
Ninguém aí da frente quer um refresco?
As moedas no meu bolso pesavam mais
Que o suor na camisa deles, que
A criança pequena, de colo
Que os dois reais
Mas eu estava parada
Moço, eu quero um refresco.
Nao...
Minha mão ia e vinha do bolso ao bolso
Pegando, largando, recatando moedas;
Ele pediu o ponto
(Ninguém mais quis um refresco)
Porque eu fiquei parada.
A criança olhou pra mim
A pequena boca com laranjada
A mãe, cansada, as sacolas
O ônibus parou no ponto.
Eu estava pendurada
Ele saiu pelos fundos,
Ela e seu bebê saíram pelos fundos,
Eu estava em pé;
Ele foi pra um lado com menos uma laranjada e sem as moedas
Ela foi pra outro com uma criança, duas sacolas e sem as moedas
Cada um seguiu seu rumo, sob o sol,
Peles molhadas
Minhas moedas pesaram
Mas eu estava parada.
O ônibus partiu.
E todos continuaram mudos.
Eu fiquei parada.