sábado, 6 de março de 2010

A Vassoura e o Gari

O tempo passa,
E mais um rosto
passa
Sério, mudo, apressado, apreensivo.
Voltado à frente, sempre à frente;
à frente os seus objetivos!

O sol escaldante, o asfalto queimante
A chama chama e ao mesmo tempo me repele.
A vassoura já trabalha sozinha por mim,
Mas ninguém,
Ou nenhum rosto,
Percebe
Pois eles passam,
Sérios, mudos, comprometidos, apressados, apreensivos.

Como vem o calor,
tão espontaneamente,
vem a solidão então,
tornando-se cada vez mais presente.
Minha única companheira,
nessa vida minha e da vassoura,
compartilhando comigo as dores e pesar
de ver rosto por rosto
Ir-se embora,
apenas focado em seus valores mundanos.

Passa por mim
mais um rosto
focado, sério, apreensivo, mudo.

Eu existo?
Como se não me sentisse jamais,
já que ninguém sentia por mim,
Como se já não existisse mais,
já que ninguém existia por mim.
O reflexo que meus olhos viam ao olhar nas vitrines das lojas onde nunca pude pisar
parecia não fazer parte desse mundo.
Olhos os mesmos que produziram então esse líquido quente,
Que se fundia com meu suor,
Beirando meu rosto,
Tão salgado, tão leve.

Mas nenhum rosto que passava percebia isso,
Pois eles eram apenas rostos, não corações
E rostos não sentem.
E rostos não entendem.
Rostos apenas passam,
Sérios, mudos, decididos.

Decidi então compartilhar com as minhas únicam companheiras,
Que pareciam estar comigo todos os dias,
Sofriam comigo,
Sentiam o mesmo calor,
Sabiam como eu
O que era ver todos esses rostos passando,
Sem nenhum deles se importar.
Minha Vassoura porém envelhecia,
e eu percebia que o tempo passava, assim como os rostos.
Minha companheira me deixaria?
Desabafei então com a Solidão,
Que depois que veio já não me deixou
Ela não passava como os rostos, e como a minha querida amiga vassoura
Mas ela não me respondia.
Ela não se sensibilizava.
Ela era aquela que está sempre ao seu lado, mas apenas faz sentir-se pior.

Pois foi o dia mais quente do ano
E mais movimentado também
Assim eu tinha muito o que limpar, muito o que fazer,
Eu, a Vassoura, e a Solidão.
Já não ligava mais para os rostos que passavam,
(Mudos, sérios, insensíveis)
Nem para os calos e a fadiga do calor
Eu apenas existia para o que fazia,
Então fazia o que devia fazer.
Varria e varria, toda a sujeira do lugar.
Que todas as mãos, que também iam embora, balançantes,
(mas nenhuma se estendia para mim)
despejavam por aí.

Foi quando minha vassoura já não mais suportou.
Se despedaçou, como de coração partido,
Seus cabelos já ralos,
Sua cabeça desprendeu-se.
Foi a morte da minha mais querida amiga.
O que faria eu, agora?

E eu gritei, chamei
Mas os rostou apenas passavam.
E eu corri, toquei os ombros
Mas agora os rostos apenas se apavoravam.
E eu chorei, sentei
E os rostos continuavam a passar,
Tão mudos, e sérios, e absortos em seus interesses.

Como faria eu, agora?
Agora que minha melhor companheira se foi,
E agora que já não posso mais fazer o que havia virado o motivo da minha existencia,
E não posso mais fazer o que devo?
O que faço agora, que não existo para nada, não existo por nada?

Nesse mundo de dúvidas e desespero, recorri pela minha última vez à solidão, minha última companheira.
Mas ela novamente nao me respondia.
Ela adotava uma posição sarcástica,
Permanecia ao meu lado,mas agia como se não existisse
Estaria ficando louco?
A Solidão ria.
E em seu escárnio, me apontou a rua.
Rua?

Não havia motivo, estava sem a minha vassoura.
Só depois então que entendi.

Me desvencilhei de todos os rostos que passavam,
Sérios, mudos, indiferentes,
E eles se desvencilhavam de mim.
As gotas de suor despejadas no chão,
e as lágrimas no corpo da minha última amiga,
falecida,
Que jazia em minha mão,
recolhendo todos os pedaços de seu coração partido.

Eu cheguei à rua,
Onde passavam carros,
Todos bonitos,
Mas sérios, mudos, e apressados,
Com mais rostos dentro.

E eu fui então em direção a eles,
Chamá-los e compartilhar com eles o meu pesar,
Mas eles,
assim como os rostos,
Desviavam de mim,
Tão sérios, tão mudos, e apressados.

Corria em direçao a eles,
Quando um, em sua pressa, acabou não conseguindo me evitar,
Veio súbito, como em um abraço forte, de que nunca soube abraçar.
Ao suor juntava-se rápido outro líquido
Este também fugia de mim...
Era tão vermelho, tão apressado.

Mas o carro passou
Agora via muitos borrões
reuni minhas ultimas forças e me sentei à beira da rua,
Com minhas duas amigas
uma delas já morta

Me vi morrendo, em minha dor,
Mas os rostos passavam, indiferentes
E os carros também, indiferentes
Ficava tão frio, tão de repente,
Com o sangue fugindo, irreversivelmente,
Mas não diferentemente
do resto do mundo.

Haveria mais liquido dentro de mim?
Descobri então, quando caiu mais uma cascata quente dos meus olhos.
Mas que não me esquentava,
assim como o sol já nao o fazia.
E descobri então que a solidão não era mais minha amiga,
ou talvez nunca fora,
Pois ela nunca me ajudou,
e eu acho que é isso que os amigos deviam fazer.
Pelo menos era o que a minha vassoura fazia.

Mas agora não pensava mais direito, e mal via os rostos passando
via borrões, via tão mal
E via pouco, quando veio o sono.
Em minha dor, banhado em meu suor, na minha lágrima e no meu sangue,
Abracei forte a minha única amiga,
E a ela pedi desculpas,
Caso a houvesse tratado mal.

A ela agradeci, já de olhos fechados,
por ter sido minha companheira até o fim, apesar de morta, agora.
E a ela pedi que, em breve,
já que ia me juntar a ela
Em um mundo em que já nao haveriam mais rostos,
que passam, tão sérios, tão mudos, tão indiferentes,
Se una de volta a mim,
Fazendo disso um novo começo, não um fim
E com o último suspiro,
Com o último punhado de ar daquele mundo que apenas passava,
Tão sério, tão indiferente, tão rápido por mim,
Pronunciei a minha última palavra a minha tão querida e única amiga:
- Obrigado.

e então fechei os olhos, aliviado, mas apressado
para encontrar minha amiga novamente,
E não ver mais os rostos que passavam.

Iria sentir minha amiga,
nesse novo mundo onde não haveria mais dor,
nem carros, nem rostos
nem olhos para ver
Quantos rostos passam,
Tão rápido, tão sérios, e mudos.

Nenhum comentário: