Ousado, destemido, como podia descrevê-lo. Meu mais íntimos desejos e ambições, que com bom senso receava realizar, ele buscou fazer. Estava livre, lá pela cidade, realizando os meus desejos. Ladrão! Visitava sempre novos lugares, jogava seus - meus? - problemas para o vento, tentava sempre o novo, e em semanas conquistava todos a sua volta. Logo, toda a cidade? não deveria..
Sabe, viver dentro do espelho do meu próprio quarto não era assim tão agradável. Toda noite aquele ser que se passava por mim deitava em minha cama e contava-me todas as suas aventuras e perspicácias. Ele era amigável, mas no fundo eu o invejava. Por que não tenta fugir?, perguntava-me. Esse mundo de um espelho é bem melhor, sem medos, sem problemas, respondia. No fundo, eu sabia que queria estar em seu lugar, mas não poderia admitir que não tentara fugir. Não quero quebrar o espelho, não quero arriscar minha vida, nem me machucar. Este mundo é, ao menos, seguro. Em sombras, em um espelho, mas, ao menos, seguro.
Sempre aventureiro e desprecavido, aquele meu semelhante me contava meus mais secretos sonhos sendo realizados a cada dia. Sempre me estimulando a fugir, ainda que suas palavras, muito menos suas atitudes, me ajudassem. Certa noite confessei que tinha medo de quebrar o espelho e, ao mesmo tempo, vontade de fugir. De acordar a cada dia e sentir o aroma suave da vida passando pela janela, buscando espantar o desânimo de olhos cansados, recém-despertados. Sabe, de ser livre. Na verdade, tinha muitos receios. É, é essa a verdade. A vida e a liberdade afinal nos trazem perigos.