Deveres, deveres, blá, blá, blá. Não.
O sol castigava lá fora, de modo que o ar condicionado já estava a postos, rangendo hora ou outra, e passatempos infantis preenchiam o tempo em que se travava em sua mente o fervoroso debate sobre a tomada da mais importante decisão: o que fazer naquele momento.
Entenda que ela ama música. Entenda que dentro dela borbulhava uma ardente decepção, daquelas recentes, enquanto não se sabe ao certo se é preferível aceitá-la, revoltar-se, ou simplesmente cegar-se a ela. Levantou-se e ligou o som. Nada como ouvir as frases que queria, dessa vez fora de sua mente e ditas por este cantor.
Abrindo o armário, como que mecanicamente, naqueles momentos em que - talvez na ausência de ideias- não se sabe por que decidir, começa a mexer nas gavetas, cabides, roupas.
Minutos depois o chão estaria coberto das suas várias roupas preferidas, minutos depois estaria sentada junto a elas separando-as em pilhas, esquecendo, quem sabe, seus afazeres, sua ansiedade, sua preguiça, a hora, e até mesmo a sua decepção.
Seu quarto era uma combinação perfeita entre os sutis detalhes que deixam um fim de tarde agradável. Pela janela via um azul bonito, e umas nuvens bem macias e reflexos bem cegantes em todas as pinturas claras de prédios ao alcance de sua visão; o ar fresco que a tecnologia lhe permite desfrutar; músicas animadas que o random insistia em trazer; roupas e suas cores ao chão. Ela ao chão, junto às roupas. O som estava mais alto, agora.
Criou-se então em sua mente uma nova cena. Para ela era fácil transferir-se de realidade - todos sabemos como a em que estamos é monótona, às vezes -, e foi o que fez. Não era necessário fechar os olhos para imaginar que todas as roupas seriam novas, que o ar condicionado teria aquele cheiro bom de ar condicionado, que sua cama na verdade eram pufes enormes e confortáveis de uma loja bem bacana, que a música era na verdade tocada pela moça do caixa da loja em que estava, porque sim, estava agora em uma loja de roupas.
A loja era dela. E as roupas também. Só que faltava um detalhe... Onde está o cheiro de loja? Borrifou alegremente uma ou duas vezes um perfume agradável, mas ao mesmo tempo divertido, e continuou a arrumar as pilhas de roupas. Ela se perdeu na imaginação, em tudo, inclusive no tempo, este que, inconveniente, obrigou-a a voltar à sua monótona realidade de antes. Estava atrasada, para variar. Guardou rapidamente seus pedaços de sonho nas gavetas, nos cabides, na caixa de perfume e nos fios desplugados, e foi embora.
O fim de sua tarde havia sido tão bom, que só quando lhe cumprimentou o sono, voltou ao seu quarto, quando pôde sentir o aroma levemente doce do que em algum momento daquele dia havia sido uma loja. O perfume havia ficado, mas o sol já tinha ido embora e o quarto estava escuro. Nessas horas ela era mais lúcida: Eu tenho dezessete anos e brinquei de loja. Borrifei o meu perfume no ar. Qual o meu problema? Saiu do quarto com as luzes apagadas, e, andando pelo corredor, buscando o interruptor para acender as suas luzes, jogou fora a lucidez. Vendo-se no espelho, agora iluminado, Não. Não é um problema.
Seus cabelos cobriam levemente o rosto quando balançava negativamente a cabeça, abaixou o olhar para as suas unhas recém e bizarramente pintadas, e chegou à veemente conclusão de que não era um problema brincar de loja nem borrifar seu perfume no ar, simplesmente para sentir o aroma doce que emanava aquela loja. Ela tinha um problema antes de fazê-lo. Ela tinha alguns problemas, antes de deixar-se levar pela aleatoriedade daquela tarde quente e azul, mas eles foram embora por um bom tempo.
Não é um problema ser criança de vez em quando, não é um problema nem mesmo fazer algumas idiotices, não é um problema fingir não estar vendo a realidade passar, de vez em quando. Principalmente quando você teve alguma decepção. Principalmente porque você pode aprender a congelar a sua realidade por uns instantes. Não é um problema ser você mesmo e fazer o que quiser, principalmente quando ninguém está olhando, e ninguém vai te julgar. Não é um problema ser de novo criança, e ser de novo feliz. Até porque, no fundo, você nunca deixou de ser nenhum dos dois.
2 comentários:
Tinha me esquecido de como você escreve bem pra cacete.
Amei o texto, Jujuba, mesmo! <3
Ai, que linda!!! hahahaha brigadaaa :)
é bom saber que alguém gosta desses troços que eu escrevo HAHAHAHA, meio que um incentivo de não abandonar o costume, sabe? :B
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