domingo, 22 de agosto de 2010

A Inflação Cotidiana.

Era mais um dia, mais uma manhã.
Uma noite bem dormida, olhei pela janela e vi aquele sol. "Ah, que dia lindo!"
E isso foi o suficiente. Suficiente para começar meu dia bem.
Dizem que o que começa bem acaba bem. Eu não me importava se acabaria bem como começou, mas eu sabia que estava bem e foi assim que eu prossegui.
Caminhei até a cozinha. No bread. No cheese. No anything. "Bom, tanto faz."
Procurei a preguiça de ir lá na padaria (que é no meu quarterão, aliás), mas parece que aquele dia a havia expelido.
Me vesti e fui. Comprar pão de queijo, obviamente, a melhor comida de lanche/ café da manhã ever. (!)

Andei pela minha rua, silenciosa e não muito movimentada. Havia alguns passantes, por ser sábado de manhã, em uma hora que os moradoes passeiam com seus cachorros e vão à padaria, que fica na esquina. Autistando completamente, até meus olhos alcançarem um vulto ao chão.
Era uma mulher. Com panos, sentada ao chão, cara de miserável.
Fiquei olhando, e a vi suplicar dinheiro a uma moça, mas essa sequer pareceu ouvir.
Porque ela passou, sem nem olhar, por alguém que perecerá por não ter sido ouvida.

"Que sorte a minha..."
Era um dia tão lindo.
Porque eu acordara bem, vira o sol pela janela, iria comer minha comida preferida.
Tão bem, grande e ingenuamente eu ignorava que para tantos era mais um dia. Dia de súplica, de calor, de frio, na rua.
Quem sabe seriam ouvidos.

Bom, eu tinha dez reais. Quanto será que aquela moça consegue ao dia?
Eu estava bem próxima dela.
Ao me aproximar, ouvi-a dizendo, agora com menos convicção que à última moça, mas ainda suplicante:
"Tem um trocadinho? Qualquer coisa..."
Eu não ia dar dinheiro. Infelizmente, conheço o mundo em que vivo, e, quem sabe, imagine o que ela vive. Sei quanta discórdia pode causar o dinheiro. Quantos homens poderiam levá-lo dela. Quanta coisa poderia acontecer. E para quanta coisa ele poderia ser usado.
Ela não parecia daquelas que se entregaram às drogas. A partir do esteriótipo, pude pensar que seria uma nordestina ou descendente, que veio ao Rio de Janeiro tentar ganhar alguma coisa. E aqui descobrira o quanto se ganha. Ou melhor, não se ganhou.
Mas me limitei a esses breves pensamentos.
Não me importava a discussão tão polêmica que é ajudar pessoas de rua.
Não me importava com nada naquela manhã.
Aquele era um dia lindo. Poderia fazer outra pessoa concordar comigo.

Com um leve quê de hesitação, parei.
" Você tá com fome?"
"Tô.."
"Eu não vou te dar dinheiro, mas eu vou na padaria. Você quer que eu te compre um pão?"
"Ai moça, quero sim, se você puder.. "
"Tá, então eu vou lá e já volto."

Eu fui, feliz.
Mas em dúvida.
Será que ela ainda tem fé? Ou será que ela já a perdeu, com qualquer outro transeunte que outra vez lhe dissera "Na volta eu te dou alguma coisa" ?
Não queria que ela a perdesse. Não queria que ela duvidasse.
Andei mais rápido.

No caixa descobri que teria entrar em outra fila para comprar o pão francês. Olhei para a fila, ela era gigante. Mas eu havia prometido à moça... Gastaria R$0,50, por um pão, e alguns minutos, por um dia, por um sol. Um dia tão lindo...
Comigo enfim, estava o pão. Me perguntava se a moça ainda me esperava, ou se teria ido embora. Preferi não pensar que tivesse ido.

Andei mais rápido, comendo meus pães de queijo. Fui me aproximando, e vi a moça. Agora um homem a acompanhava. Ele estava em pé, diante dela, conversando. Parecia-me bêbado, daqueles que você receia que vá  mexer contigo na rua. Olhei para ele, olhei para a sacola com o pão.
"Bom, ele não vai fazer nada comigo. Eu só venho com um pão."

Agora mais perto, percebo que estão em um caloroso debate sobre algo que desconheço. Percebi também que se conheciam. Cheguei bem perto, e o homem parou de falar e olhou pra mim, quase curioso. A moça, como que percebendo que eu havia voltado, voltou seus olhos sorridentes a mim.

"Aqui seu pão"
E ela me disse, em uma voz bem baixa, ainda que audível, com os olhos brilhando:
"Ah, muito obrigada... " ("De nada")
" ... Que Deus lhe abençoe, minha filha, vá com Deus. "

E eu fui.

Fui, com aquele sorriso em mente.
Fui, com a imagem periférica, de quando eu me ia, de uma mulher dando um pedaço de pão a um homem bêbado que ninguém sabe como foi parar lá.
Fui, sem me preocupar se aquele dia me viria tão lindo assim todos os dias.
Sem me preocupar se meu cachorro detonaria toda a área de serviço com você-sabe-o-quê para eu limpar.
Não me preocupava mais com o que alguns diriam sobre dar coisas a pedintes.
Sem me preocupar com nada.

Porque aquele sol me aparecera pela janela, tão brilhante,
o céu, tão límpido,
eles tão despreocupados.

Porque aquele dia estava tão lindo.
Porque eu acordei sorrindo.
E porque eu vi mais um sorriso.

Um sorriso sincero, um sorriso do coração,
daqueles que você sente até quando se vai,
um sorriso de alguém que quer sorrir.

De alguém que provavelmente não achava muitos motivos para sorrir.
Um sorriso sem dentes,
com os que tinha mal tratados,
Um sorriso desprecavido, despretencioso,
Um sorriso tão amarelo
O sorriso mais lindo que já vi.




Ora, já cheguei em casa.
Lá vem o meu cachorro, risos.
Oi, Dime!
Bom dia!
Eu não vou ver a área de serviço...

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