quarta-feira, 6 de março de 2013

Polimento

Engraçado como é o tempo, dúbio. Não se sabe se traz o bem, se faz o mal, se nada muda, se renova. Alcança o passado como gotinhas miúdas de água alcançam uma foto. De primeira, tenta-se recuperar a foto, enxuga-se a água, e lá está ela, a lembrança, perfeita novamente.
O tempo é incessante, e assim se faz gotas insistentes nos papeis revelados da memória, que, aos poucos, vai cedendo em cores, formas, cheiros, sentimentos. Desbotando vestidos, abafando risadas, ocultando caretas e diluindo odores.
Gradualmente, o tempo vai destroçando as memórias da forma mais cruel, de modo que, um dia, tudo aquilo que um dia teve cor, intensidade e vividez torne-se vago a ponto de tornar-se insignificante, para que, então, torne-se nada.
Destroça as memórias, por outro lado, também, da forma mais lúdica, de modo que, ao se querer preservar um aspecto daquelas, se possa proteger com uma redoma a área que as gotas não podem afetar. Eis então que o tempo passa, e com ele leva todo o resto das lembranças, deixando apenas a parte que se é agradável recordar, protegida pela redoma.
De uma forma ou de outra, a foto nunca mais será a mesma. A irrefutável passagem do tempo arrasta impiedosamente tudo aquilo que um dia juramos nunca esquecer. Arrasta consigo tudo aquilo que juramos querer esquecer e não conseguir. Arrasta consigo tudo aquilo que um dia virou memória...
As gotas caem e, por mais que a nossa redoma mantenha-se lá, esta também se enfraquece, deixando-se abalar, deixando-se ceder. Ora, o tempo apaga tudo. Isso traz sua dubiedade, se é bom ou se é mau, leva tudo sem restrições.
Chega o dia em que percebemos o estado das nossas fotos, e corremos à paisagem original para relembrar a antiga, mas com tristeza vemos, então, que nem a paisagem já é mais a mesma. O tempo levou a paisagem também.
Ou simplesmente aceitamos, deixamo-nos lavar. E vemos, aos poucos, nossas fotos desbotarem, desvanecerem e perderem todo o sentindo e contexto, até que já nem nos importemos mais. Até que as deixamos virar branco.
Porque, senão isso, nada mais há a se fazer.

O tempo vai, o tempo vem, e leva. Leva tudo. Enxágua tudo. Já não se sabe se é bom ou mau, mas sabe-se que é. E sabe-se que continuará sendo.
Engraçado como passa, engraçado como é soberano. Há de vir e me fazer esquecer, há de vir e me fazer rever o novo velho, há de passar e me fazer rascunho. Há de existir a cada dia, nos ensinando, aos poucos, a dádiva de saber esquecer.

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