domingo, 16 de novembro de 2014

Adaga do Silêncio

Se for pra ferir, que firas profunda e friamente, de um só ímpeto, com tua adaga, e me deixes sangrar vendo tuas costas.
Se for pra ferir, que sejas cruel e forte, que desenhes uma chaga em minha pele, e depois nunca mais vejas como é cicatrizar.
Se for pra ferir, fere-me e deixa-me, relegada ao silêncio eterno.
Se for pra ferir, não abras minha pele de pouco em pouco, não evites a hemorragia, não me beijes para sarar. 
Não voltes, não vejas cicatrizar, não rasgues meu corpo cuidadosamente, como quem ainda tem por que zelar.
Se for pra ferir, saca tua adaga e perfura minha carne: sou toda carne, entregue.
Se for pra ferir, fura, de olhos abertos.
Se for pra ferir, deixa-me cicatrizar.
Sozinha.
Dá-me teu adeus, e faze esse sangue valer.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Adeus

Naquele dia, era frio
Mas ainda havia o nosso calor
Naquele dia, duas mãos atadas andavam despreocupadas e sorridentes
Como se o adeus não existisse

Naquele dia havia riso e havia afeto,
naquele dia havia calor e frio,
havia beijos e abraços,
piadas e estórias.

Naquele dia não havia adeus,
não havia despedidas,
não havia distância, memórias,
saudades.

Naquele dia só havia nós dois
e uma data a se esquecer
a se beber
a rir-se e
debochar-se

Naquele dia falava-se de adeus
como estórias tristes,
casos distantes e
fantasmas que não amedrontam

Naquele dia só havia nosso sorriso,
mas hoje está frio e sua mão não aquece a minha
sua memória não me abraça
seu sorriso não provoca o meu

Hoje o afeto reside no frio
Os lábios residem na história
Aquele dia reside no pranto
E o adeus reside em minhas entranhas

Hoje o fantasma é real
Hoje eu tenho medo e durmo
Só para sonhar com as estórias
Que não têm escrita a palavra

Adeus.

domingo, 8 de junho de 2014

Duo

Finalmente, quando a noite fez-se dia, os sonhos fizeram-se tato e o coração fez-se obscuro.
Finalmente, com o raiar do sol, os olhos abriram-se e viram o vazio das prateleiras.
Cadê aquela fantasia? Diz-me onde, vou correndo encontrá-la
Cadê a chave que tranca teu amor em meu peito?

Almoço meu desgosto e janto à luz de velas, 
para que as sombras nas paredes possam sorrir por nós
Penso em qualquer coisa e, mais uma vez 
é tudo sonho

Finalmente, o dia fez-se noite
Deita tranquilo, não há mais luz.
Onde estão os nossos sonhos?
Diz-me onde, não há mais luz.

Desfaz logo a pedra de seu coração,
pega aquela chave e vem tranquilo
dormir.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

O ônibus

O ônibus parou no ponto
Eu estava pendurada
Ele entrou pelos fundos, com um isopor
E um clamor
Suco fresquinho! Só dos reais, 
Eu estava em pé 

Ela e seu bebê entraram pelos fundos
O ônibus estava parado 
O suor escorria negro pelos seus rostos
Alguém dá lugar pra moça com criança no colo, por favor?
Estavam todos parados
 - Obrigada

Dois reais! Fresquinho!
Eu estava parada
Estavam todos mudos

A criança sacolejou, a mãe a afagava,
O suor caía,
Eu estava parada.

Ele olhava para o refresco e 
- Refresco? Fresquinho! Dois reais!
Os passageiros eram retratos
O suor era insistente
A mãe pediu um refresco, e não tinha dinheiro para pagar
Eu estava observando, parada

O rapaz deu-lhe o refresco, a criança bebeu 
O suor caía
E eu estava parada

Botei a mão no bolso, catei umas moedas
Ele olhou pra mim como se eu
Pedisse um refresco
"Aquele suco você deu... Pode ficar com isso"
Nao...
Eu estava parada

Ninguém aí da frente quer um refresco?
As moedas no meu bolso pesavam mais
Que o suor na camisa deles, que
A criança pequena, de colo
Que os dois reais
Mas eu estava parada

Moço, eu quero um refresco.
Nao...
Minha mão ia e vinha do bolso ao bolso
Pegando, largando, recatando moedas;

Ele pediu o ponto
(Ninguém mais quis um refresco)
Porque eu fiquei parada.

A criança olhou pra mim
A pequena boca com laranjada
A mãe, cansada, as sacolas

O ônibus parou no ponto.
Eu estava pendurada
Ele saiu pelos fundos,
Ela e seu bebê saíram pelos fundos,
Eu estava em pé;

Ele foi pra um lado com menos uma laranjada e sem as moedas
Ela foi pra outro com uma criança, duas sacolas e sem as moedas
Cada um seguiu seu rumo, sob o sol,
Peles molhadas
Minhas moedas pesaram
Mas eu estava parada.

O ônibus partiu.
E todos continuaram mudos.
Eu fiquei parada.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Paths

Let's suppose you see a bridge. It's a cloudy day and the river beautifully reflects the sky above. You have free time and you may decide wether you cross that bridge or not. If you take a picture, if you gaze, if you spend some time there to admire it. Or if you don't pay attention to it at all. 

What if you do decide to cross it, and bumped into someone? And it's a grumpy one? Or if they get hurt? Or if they possibly smile and start a conversation?
And if you just stay there, would they bump into you?
If you take a picture, would you wait for them to cross the bridge? Would the landscape look different, then?

How many different stories do we burn by deciding what path to take?